quarta-feira, 30 de julho de 2008

Depois dos cortejos fúnebres, um “Rical” de pêssego na casa do Povo.

Pois é! Aqui está a casa de povo, o nosso “casino” das tardes de verão, onde realizávamos jogos e jogos sem gastar um tostão…
As tardes nem sempre eram passadas no largo da “venda da Teresinha”, nem no campo Velho. Havia que começar a explorar outros pontos da nossa aldeia, afinal havia sempre um conhecido noutro ponto da nossa terra; um primo, um amigo da catequese, um conhecido da escola, tudo era motivo mais que suficiente para nos dirigirmos para lá das nossas fronteiras. Para isso, fizemos um pequeno trabalho de prospecção e verificamos que podíamos explorar em termos de diversão, todas aquelas aquelas áreas.
O certo é que descobrimos, que o largo da feira, possuía um mundo de atractivos completamente novo, não havia somente um campo para jogar á bola, mas oferecia-nos um leque vasto de oportunidades a explorar.
Avançar mais de 500m para além do nosso território (o “largo da Teresinha”, ou o campo velho), era uma tarefa quase titânica, e de algum risco para quem na altura tinha 8, 9, ou 10 anos…
Juntávamos á vontade de viajar, toda a coragem de ultrapassar as fronteiras até aí definidas, e isso fazia com que nos sentíssemos verdadeiros aventureiros, verdadeiros conquistadores!
Assim, com a desculpa de ir brincar com um amiguinho da escola que vivia na feira, lá íamos nós á descoberta do desconhecido.
Avançávamos, quinze metros para baixo do campo velho, e passávamos pelo meio da casa do Senhor Abade, muitas vezes cruzávamos com ele, e pedíamos-lhe “a sua bênção”, que prontamente nos dava o seu “Deus Vos abençoe!”. Isto funcionava como uma bênção, ou uma protecção para quem parte á descoberta de mundos desconhecidos, ou seja, para quem parte para “além da Taprobana”!
Depois de passar a casa, e o passadiço do quintal do Senhor Abade, chegávamos á periferia da igreja, onde muitas vezes entravamos na sacristia, onde com ajuda de algum amiguinho que normalmente ajudava na celebração da missa de Sábado á noite ou no Domingo de manhã, surripiávamos algumas hóstias (não benzidas), que ele sabia onde encontrar.
Algumas vezes ajudávamos nos enterros. Quando alguém morria nós dirigíamos á igreja para sermos “contratados” para ir no cortejo fúnebre em representação da “Santa infância”. Lembro-me que nos davam uma 'opa' para vestir, de cor branca com uma capa azul bebé por cima, e ofereciam-nos (aqui a parte mais importante) 2$50 a cada um, por ir em sua representação. Algumas vezes, do outro lado da sacristia, num anexo semelhante, que funcionava mais como sede de ofertório, e de arrecadação de algum mobiliário, existia um piano já velho. Era uma festa, sempre que tínhamos de esperar, dávamos grandes concertos naquele piano. Até que um dia (e penso que foi a ultima vez que pertenci á “Santa Infância”), um dos Padres da freguesia, apanhou em flagrante delito um dos meus camaradas de cortejo, e arremessou-lhe semelhante estalo, que ainda hoje, está presente na minha memória a violência daquela mão a ser travada pela cara daquele pequeno miúdo, que não teria mais de 10 anos…
O certo é, quando íamos nestes cortejos, o dia estava ganho!!
Depois do périplo da igreja, avançávamos mais uns metros para baixo e passávamos pela padaria de baixo, pela barbearia do “pato”, seguido da farmácia e finalmente sem deixar de passar pela loja de roupa do Sr. Fernando (Bianca), chagávamos ao cruzeiro!
Daí avistávamos toda parte de cima da feira, as suas enormes árvores, o quiosque, e a placa de cima das barracas de apoio á feira. A feira realizava-se aos sábados de manhã, e lembro-me (muito vagamente) que quando ia á feira nesta altura, normalmente com a minha mãe, ou com a Senhora Amélia, uma senhora minha vizinha, o grosso dos feirantes encontravam-se na parte inferior, e os maridos das senhoras que faziam compras, e outros mirones, iam para cima dessa placa ver a malta a passar, ler o jornal, ou ainda montavam tertúlias sobre os acontecimentos futebolísticos da altura. Algumas vezes, nós íamos á feira e comprávamos (caso fosse sábado) um bolo, na senhora dos bolos, e íamos abeirar-nos juntos destes homens, para ouvir as suas conversas.
Mas isso era ao sábado, pois nos restantes dias íamos ao largo da feira para desafiar os meninos desse sítio, para realizarmos jogos da bola, ou para ir aos sapos no campo do “nandinho”.
Um pouco mais tarde, encontramos, um local em que podíamos entrar sem problemas, sem que os donos dos cafés nos expulsassem, a famosa Casa do Povo…
As manhãs das férias grandes, iniciavam com o jogo da bola no campo velho, e eram precedidas de tardes quentes a jogar diversos jogos de mesa, na casa de povo.
Passávamos as tardes a jogar ping pong”, matraquilhos, poker de dados, cartas, e a beber o famoso rical de pêssego (muitas vezes com os 2$50 ganhos nos cortejos fúnebres) e a comer tremoços. Na casa do povo éramos tratados como verdadeiros clientes, pois não tínhamos a obrigação de consumir nada.
Na casa de povo, aprendemos com o senhor João a técnica do ping pong, com o “Nelson R…” a jogar poker de dados, e com outros a jogar jogos de cartas (sobe e desce, copas, lepra, sueca, e mais tarde jogávamos king), quanto aos matraquilhos somente aperfeiçoada a técnica, pois a aprendizagem foi no Angola.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Depois do jogo da Bola, nada melhor que acabar o domingo na “Vacaria”…

Pois é! Aqui está a entrada para a melhor discoteca do mundo, de que há memória!
Nas manhãs de domingo, depois da missa das oito e trinta, íamos ás reuniões dos escuteiros que se realizavam no salão paroquial com o chefe “Firo” e o chefe “Toní”.
A verdade seja dita, nem sempre era assim, ou seja, nem nós íamos sempre á missa, nem sempre íamos ás reuniões dos escuteiros. Isto acontecia sempre que os chefes nos ameaçavam: “Quem não vier ás reuniões, não vai aos acampamentos”.
Mas nós sabíamos, que bastava irmos a duas reuniões antes dos acampamentos, que ele nos deixava ir. Os acampamentos eram espectaculares!
Muitas vezes faltávamos á missa dominical, e ás reuniões dos escuteiros para podermos ver os jogos dos juniores, que se realizavam ao Domingo de manhã, no campo de Barreiros (campo novo).
Lembro-me que a primeira vez que faltei á missa propositadamente, foi para ver um jogo de fim de época, em que o clube da nossa terra jogava com o Atlético Cabeceirense. Com a vitória do clube visitante por 1-3 (se não estou em erro). O que importa nesta história, é que o Atlético Cabeceirense (juniores), subiu de divisão, houve no final uma pequena invasão ao campo de jogo; e eu consegui entrar nos balneários, e trazer de lá duas camisolas de jogo. Estas eram lindas! Azuis e rubras, originais, uma com o número 3 e a outra com o número 7. Nessa manhã consegui ser o pequeno herói entre os meus amigos, com estes admirar (com inveja) o meu presente. Foi a primeira vez que tive uma camisola oficial de jogo, pois as camisolas que normalmente tínhamos para jogar á bola, resumiam-se a uma t-shirt branca, em que o número nas costas, era personalizado por nós com uma ” borrona” de cor.
As tardes de domingo resumiam-se com a ida á bola, quando havia jogo em casa, para ver o clube da terra, e desta vez para ver os grandes (os seniores), a equipa principal a jogar.
Lembro-me de pertencer á claque infantil do clube, os “Joaninhas”, porque o nosso clube vestia de vermelho.
Nos domingos que não havia jogo, as tardes eram passadas com brincadeiras no pátio da escola, a jogar ao “Baliza em Baliza”; a ir espreitar os namorados, ir para o salão tentar que o porteiro das sessões de cinema nos deixasse entrar na última parte do filme, ou ainda, a ir á discoteca.
Teríamos menos de doze anos quando nos finais das tardes de domingos, íamos até á estrada nacional, mais propriamente para a frente do portão da discoteca “ARPA”.
A discoteca “Arpa”, foi durante muitos anos a única discoteca existente nas redondezas, pelo que durante muitos anos, foi objecto de críticas, principalmente por parte das entidades eclesiásticas cá da terra, que a viam como um antro de pecado…
Começamos a reparar que a chegada altura, no final da tarde, o pessoal que saía da discoteca (toda a gente conhecia a discoteca não por “Arpa”, mas por “Vacaria”), fazia-se acompanhar por uma senha que trazia de dentro do espaço de dança.
Como a discoteca era relativamente pequena, muitos dos seus frequentadores vinham cá fora apanhar ar, ou ressacar, ou ainda para dar uma volta com a miúda. Como normalmente voltavam, antes de saírem da “Vacaria”, os frequentadores traziam uma senha que lhes permitia entrar novamente no espaço, sempre que o desejassem.
No final das tardes de domingo, começamos a parar frente ao portão que dava acesso á “Vacaria”, para a caça á senha.
Sempre que vinha alguém para fora, nós perguntava-mos se voltavam. Caso as pessoas dissessem que não, então nós pedíamos a senha, para podermos entrar. À medida que os domingos passavam, muitos eram aqueles que já nos conheciam e nos davam a senha para podermos dançar, e principalmente para vermos a malta aos beijos e abraços.
Muitas vezes (quase sempre) depois de arranjar a senha era necessário dar a volta ao porteiro, visto que ainda não possuíamos idade para frequentar estes espaços, tínhamos que convence-lo a deixar entrar.
Inicialmente, conseguíamos entrar porque algum dos nossos irmãos mais velhos, ou os amigos destes falavam com o porteiro para nos deixar entrar, com o velho argumento de que sessão estava acabar…
O que estava acabar para uns, estava a iniciar para nós! Sejam bem-vindos á “Sound Disco”!
Logo á entrada tinha o “Zé Ramalho” a controlar os casacos. Tudo no escurinho, a cabine de som do Emídio Guerreiro do lado esquerdo; a pista de dança no centro, com a sua belíssima bola de cristal e as suas luzes intermitentes acompanhar a música que era debitada.
Tudo era fascinante para nós, um mundo completamento diferente e moderno!
Outra das coisas que nos encantava, era o bar (na parte inferior), e do reservado, com os pares de namorados aos beijos, e a mesa da patroa da discoteca sempre cheia de bebidas.
Mas o que nós gostávamos mesmo, era ver os pares de namorados a dançar agarradinhos durante o “Slow”, na pista de dança que estava marcada por uma “cerca” de madeira que demarcava a zona de dança.
O que parecia ter sido uma tarde de diversão na discoteca, não passava de meia hora bem gozada, que depois de nós termos entrado, dava como encerrava a sessão desse domingo…

O certo era, que depois de sairmos da “Vacaria” cruzávamo-nos muitas vezes com o meu avô á entrada do portão da discoteca. Segundo ele: Só estava por ali porque era normal dar um passeio ao domingo por aqueles lados (eu acho que ia lá porque gostava de ver as miúdas a passar).


terça-feira, 8 de julho de 2008

Umas “Couvitas” que o Fontanário não conseguiu regar…

Pois é! Aqui está o verdadeiro fontanário que nos matou muitas vezes a sede durante as tardes de brincadeiras…
Sempre que jogávamos á bola, ou outro jogo qualquer, sabíamos que a nossa salvação em termos de líquidos estava ali mesmo ao lado (sempre fresquinha), a água do fontanário do campo velho.
Os tanques que algumas senhoras das vizinhanças do "campo velho" usavam para lavar as roupas, serviam também (algumas vezes) de piscina para nós, e nada melhor que um belo banho depois de uma tarde de brincadeira, numa tarde de verão…
Durante algum tempo, num vau de escadas, no exterior das traseiras do salão paroquial, e junto ao campo velho, viveu em condições muito precárias, um jovem casal. Pouco tempo depois de se instalar, o casal tinha já uma pequena horta a ocupar um canto, do nosso campo de jogo.
Umas “couvitas” que por mais que fossem regadas nunca davam nada; ou a senhora não tinha muito jeito para aquilo, ou o campo por ser duro e de terra batida não queria nada com a senhora; ou ainda, e a hipótese mais provável, a quantidade de bolas projectadas sem querer, ou propositadamente para o canteiro, fazia com que as malditas “couvitas” nunca crescessem.
Sempre que a bola pisava o canteiro da senhora, era uma festa!! A senhora era enorme, tinha uma condição física duas vezes maior que o marido, que era pequeno e magrinho.
A imagem da Senhora (enorme, forte, e completamente desengonçada) a correr atrás do “Zé R…” ainda hoje faz parte das nossas recordações de criancice.
De vez em quando ela conseguia apanha-lo, e então batia-lhe (e devia doer!).
Certo dia, o “Zé R…” deu o grito do “Ipiranga”, e disse:
“-Alto lá! Eu não fiz nada! E se a senhora a partir deste momento me continuar a bater, eu também lhe bato!
Então a partir desse dia, a quantidade de bolas projectadas para o canteiro aumentou significativamente, porque era o “Zé R…” que tinha a obrigação como guarda-redes, de ir buscar a bola para continuar o desenrolar do jogo.
O jogo parava quase sempre cinco a seis minutos porque a bola de jogo era apreendida, e seguia-se um pequeno “round” de luta livre, com todos nós a fazer de claque de apoio (ora pela senhora, ora pelo “Zé R…”). Quando ele tentava tirar-lhe a bola, a senhora batia-lhe, e ele respondia-lhe, dando-lhe uma pequena palmada, que tinha mais o significava de insubordinação ou irreverência, que o intuito de a magoar, pois a força que ele infligia era fraca.
As nossas brincadeiras, eram sempre precedidas de um princípio de respeito para com os mais velhos, é que se chegassem aos ouvidos dos nossos pais que tínhamos insultado alguma pessoa mais velha… Elas “Caíam-nos”, ou seja, éramos sovados, porque os pais daqueles tempos, essas coisas não perdoavam!
A senhora como passava a maior parte das tardes sozinha em “casa” andava nisto connosco o dia todo. Acho que servia de ocupação até o marido chegar do trabalho.
A senhora, apesar de toda a pobreza, aparentava ser uma senhora feliz. Lembro-me ainda do riso dela, e da única frase que a ouvia dizer:
“PODE SER! MAS VÓS “INDES” VER…”

Nota: Esta situação durou pouco tempo, e este casal foi viver para uma casinha condigna, e com as condições mínimas de conforto.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

O Portão das Nossas Memórias…

Pois é! Aqui está o verdadeiro portão de todas as nossas memórias.
O Verão, continuava a ser a estação de todas as brincadeiras!
Todos os dias a caminho da habitual concentração matinal, passávamos obrigatoriamente por uma rua de terra batida, onde se localizava a casa da Sra. Aurora, a ultima casa que antecedia o largo da “Venda da Teresinha”.
Todos os dias jogávamos á bola, e esta era normalmente cravada aos meus primos que eram filhos dum árbitro de futebol.
Caso nos portássemos bem, ele deixava-nos jogar com uma das bolas de capão que normalmente trazia para casa depois dos jogos que arbitrava. Jogar com uma bola de CAPÃO, era um privilégio que nem qualquer miúdo na altura tinha. Sempre que isso acontecia, era dia de festa; nos outros dias, o jogo era feito com uma simples bola de plástico, daquelas que saía de tempos em tempos nos “jogadores” comprados na “Venda da Teresinha”, ou jogávamos com alguma bola já furada, ganha em algum natal passado.
Os jogos da bola que decorriam normalmente no largo, eram muitas vezes interrompidos pelos gritos e gargalhadas dos miúdos, seguido das corridas destes á volta da Sra. Aurora, a tentar fugir ás reprimendas dela; que vinha ao largo tentar saber quem tinha pontapeado o portão.
A Senhora Aurora, era uma senhora solteira e já velhinha, que tinha a seu encargo uma menina da nossa idade, que estudava connosco.
Sempre que lá passávamos pontapeávamos ou arremessávamos uma pequena pedra para o portão de chapa. Sabíamos que ela estava á nossa espera do lado detrás do portão, para ver se nos apanhava em flagrante delito. Quando isso acontecia (o que era raro) puxava-nos as orelhas e tentava saber de quem éramos filhos, para poder fazer queixa às nossas mães…
Muitas das vezes, entretínhamos a bater no portão para desviar a atenção da Sra. Aurora, para que alguém pudesse saltar para o seu galinheiro, para surripiar algumas penas às suas galinhas, que depois serviam para embelezar os trajes das nossas brincadeiras dos índios & cowboys.
Muitas vezes, no fim do dia, depois de mais um dia de brincadeiras, o portão era pontapeado pela última vez, e servia de sinal de partida para a corrida final até casa…
No fundo, todos gostávamos da Senhora Aurora, pois participava (e acabava por ajudar) em muitas das nossas brincadeiras.
Hoje, tenho a certeza que o mesmo acontecia com ela, gostava de nós (crianças) porque acabávamos por ser a sua única companhia diária, juntamente com a Fátima.

Que Deus a tenha em bom lugar! O lugar que ela merece!

memórias de infância | elefante horácio

há umas semanas foi-me apresentado pelo meu primo paulo o seu mais novo rebento [não, não falo da leonor] o blog o mundo das coisas. conversa vai... e ele convidou-me a colaborar. aceitei. o mundo das coisas está repleto de memórias da nossa infância, da nossa terra, de amigos que ficaram e de outros que perdemos o rasto, de expressões, de momentos inesquecíveis, ... hoje é a minha primeira contribuição.

recuemos uns anos... a chegada do verão não só trazia as férias que duravam três meses, as brincadeiras a toda a hora, ... como fazia com que o horácio [só recentemente soube o seu nome], o elefante do quiosque, saísse da jaula e ficasse à sombra à espera que as crianças se apoderacem dele. eu e a minha irmã depois de muito chatearmos o meu pai lá recebíamos a tão desejada moeda [de 20$00 se não estou em erro] que nos punha a baloiçar de trás para a frente, e se nos portássemos bem até tínhamos direito a um gelado de dois sabores [as saudades que tenho daqueles gelados... os sabores... a baunilha que melava ao fim de minutos nas nossas mãos... o ritual de chupar o gelado pela parte de baixo para não se perder uma gota]. as tardes na loja do meu pai sempre foram divertidas e o quiosque de joane é um dos locais que ficou nas minhas memórias de criança.

aqui o velhinho horácio na sua nova casa